The Boys é uma série da Amazon Prime que mostra um universo dominado por heróis corruptos, que não medem esforços para agradar e manipular o grande público enquanto ficam milionários com ações de marketing muito bem elaboradas. Em seu segundo ano a série ao falar de racismo usou a carta do “nazismo” sem nenhum remorso. E aí que o vimos foi a branquitude mais uma vez se livrando da própria responsabilidade em combater o racismo do qual tanto se beneficia.
Para mim, “nazismo” é a melhor desculpa para a supremacia branca proteger os próprios privilégios usando a cultura pop como seu outdoor. “O problema não é a branquitude e seu racismo, mas o nazismo”. Aí o grande público segue aclamando séries com tais narrativas, tipo The Boys (2019) e Watchmen (2019), jurando que elas tem uma crítica social foda.
Nesse caso, até acho Watchmen, da HBO, mais responsável no que deseja representar. Durante sua única temporada vimos os justiceiros combaterem uma organização racista de supremacistas brancos chamada Kavallaria. Mas aí chegaram no final e além do grupo terrorista não ser devidamente responsabilizado, já que sua liderança era de um senador branco importante, ainda descobrimos que a “grande vilã” da série era uma mulher asiática, o que incita implicitamente o racismo contra pessoas amarelas.
Voltando a The Boys, uma fala do episódio final da segunda temporada é bem certeira ao afirmar que fazer o maníaco furioso é um privilégio que apenas pessoas brancas desfrutam. Até parece uma “crítica social foda”, mas no fim não passa de uma frase de efeito, pois a série foi muito rasa na abordagem racial, colocando toda culpa do racismo no nazismo e não na branquitude.
Além disso é bom ressaltar que as maiores violências que vemos contra os personagens, normalmente se dá com algum protagonista atacando violenta e covardemente um figurante não-branco, o que se torna bem desconfortável para pessoas pretas, latinas ou asiáticas de assistir.
Vale ressaltar como os principais personagens pretos da série são apenas clichês: Black Noir, o super herói sem voz que apenas segue as ordens dos superiores. Trem-Bala, o “atleta” super velocista. E Marvin, o Leitinho da Mamãe, o agente penitenciário que cuidava de jovens infratores, servindo de terapeuta para acalmar a gangue protagonista.
Não me levem a mal, eu curto The Boys, só não acho tudo isso que estão aclamando e jurando que a série é. No fim é um produto de cultura pop que tenta a seu modo livrar a barra da branquitude na manutenção de seus privilégios e na reinvenção constante do racismo e usando nazismo como bengala.
Foi um prazer assistir a surra que a personagem Tempesta levou de várias mulheres. Mas não se deixem enganar, pois no fim das contas o que vimos foi apenas a branquitude livrando a própria barra com a desculpa de que errado é ser “nazista”, enquanto segue desfrutando do racismo e dos privilégios decorrentes dele que destroem o mundo, seja no âmbito social, político, econômico e ambiental.
Aos fãs mais emocionados que não aceitam ver sua série favorita ser criticada de tal forma, gostaria de reiterar que este texto é uma crítica pontual a um elemento muito importante do enredo da segunda temporada, o nazismo de Tempesta. Para a série funciona, já que o próprio Vought era alemão naturalizado nos EUA, assim como sua esposa, Tempesta. É um plot bem amarrado, reconheço. E assim a impressão que fica é que nos EUA não há racismo, essa mazela os estadunidense não carregam, o problema real são os nazistas.
Contudo, minha crítica vai além, é sobre a supremacia branca estadunidense não reconhecer o seu racismo doméstico, apenas apontando o de fora. “Racistas são os nazistas, não nós dos EUA”. Sendo que na própria história dos Estados Unidos existe a Ku Klux Klan, organização supremacista branca que cometeu muitas barbáries contra pessoas de etnias não brancas, especialmente a preta. E esse fenômeno de culpabilizar terceiros pelo racismo da sociedade não é exclusividade dos EUA, no Brasil o mesmo rola, seja apontando racistas como simpatizantes de nazistas ou da KKK. Embora atualmente a desculpa mais utilizada tenha sido o famigerado racismo estrutural, “eu não sou racista, apenas tenho racismo estrutural”, como se isso fosse uma gripe que basta você se medicar que será curado.
Sendo assim, fica claro, como uma pele alva, que o compromisso dos grandes players que comandam Hollywood e assim a cultura pop industrializada é manter a branquidade no poder, sem nunca reconhecer que os problemas sociais que enfrentamos há milênios não só começam como se encerram nela própria, a supremacia branca. Dessa forma sempre irão responsabilizar terceiros pela estrutura racista em que vivemos, ora o “nazismo”, ora problemas mentais e por aí vai. Basta apenas reparar em como a Amazon Prime tem trazido séries que denunciam o nazismo, tipo Hunters, mas nunca a própria supremacia branca dos EUA, encarnada na Ku Klux Klan, por exemplo. Desculpas para eximi-los das próprias responsabilidades não faltam, mas nunca, em hipótese alguma irão culpar a própria branquitude. E assim o sistema segue mais branco e opressor como nunca e não há “representatividade” que mude isso.