Hormônios a flor da pele, a turma dos populares, o aluno gay que sofre bullying e o protagonista virgem, o que Sex Education tem de diferente de qualquer produção de besteirol colegial? A resposta é: Tudo! Os assuntos podem ser os mesmos mas a forma como a série aborda e desenvolve cada um deles nos mostra um grande passo da indústria.
Otis é um garoto de 16 anos criado num lar onde o assunto sexo é bem decorrente, sua mãe Jean, interpretada pela deusa da TV Gillian Anderson (que vai deixar saudades em ‘American Gods’), é uma conceituada Guru do sexo, ajudando casais com suas questões conjugais. Esse é ponto de partida da série, poderia ser o suficiente para criar algo escrachado e barato que criaria um certo buzz entre os adolescentes, mas a série não para por aí. A narrativa divertida usa da desconstrução de clichês e do desconforto que o assunto ‘sexo’ nos traz para fazer humor e ao mesmo tempo ser bem didática. Cada episódio é um informativo leve e direto sobre questões comuns na iniciação sexual de jovens, elevando a série para um patamar educativo. Todas as ferramentas de comédia americana chula e adolescente passam a ser canais que levam conhecimento diretamente para o público que precisa dela.
Conhecer seu próprio corpo, responsabilidade emocional, vazamento de fotos íntimas, consentimento e auto aceitação são lições de alguns dos capítulos de Sex Education, que são lançadas de forma natural e envolta de humor. Ironicamente, no momento conservador que passamos no Brasil, onde falar sobre sexo nas escolas está sendo demonizado a produção nos mostra que é exatamente o tipo de coisas que as escolas deveriam passar para os adolescentes, a informação só acrescenta na vida dos jovens para que conheçam o próprio corpo e respeitem o do próximo.
Além do nicho sexual a série também conta com tramas complementares interessantes e bem desenvolvidos: uso de drogas, relacionamento de poder entre familiares, relações tóxicas e a homossexualidade, que daremos mais destaque. A homossexualidade e a fluidez queer é tratada de forma natural e em vários personagens, temos um casal de mães lésbicas, colegas de escola e até mesmo uma garota heterossexual que se veste com roupas masculinas, todos elevam a série e acrescentam em seu posicionamento liberal, mas o maior destaque e estrela da série é o brilhante personagem Eric.
Eric, interpretado por Ncuti Gatwa, é assumidamente gay em pleno ensino médio e carrega um vórtice narrativo que pontualmente acrescenta uma nova discussão em pauta. No primeiro momento lidamos com uma linda amizade entre um garoto heterossexual e seu amigo gay, depois a forma como ele lida com o bullying na escola sem se esconder e deixar de ser quem é, um garoto negro afeminado com seus crushes e vontade de ser popular, mais tarde o personagem nos agrega a questão familiar. Eric é criado em um lar religioso, por mais que seus pais demonstrem aceita-lo eles vivem em constante preocupação com a segurança do filho. Esse ponto toca em uma enorme ferida da comunidade LGBTQI+, familiares que reprimem seus filhos não por pura intolerância mas também por insegurança e medo.
Na parte técnica temos uma brilhante trilha sonora que conta com os novatos Slotface e os aclamados Violent Femmes em uma introdução em que usaram ‘Blister in the sun’. Outros clássicos também são usados de forma arrebatadora e que casam muito bem com as cenas e tudo isso somado aos cenários do interior do Reino Unido, que nos da uma sensação de prisão e proximidade que uma cidade pequena entrega, você não consegue simplesmente ignorar uma pessoa ou fugir de um boato em uma cidade do interior.
Outro grande acréscimo técnico são os figurinos retros muito setentistas que ajudam na caracterização exagerada dos personagens e imprimem muito bem suas questões pessoais de forma expressiva e quase teatral, temos como exemplo dessa ferramenta a personagem Maeve, interpretada pela Emma Mackey (que é a cara da Margot Robbie, acredito que todos estamos pensando nisso), enquanto todos usam tons pastéis, ombreiras e roupas apertadas que modulam o formato dos corpos, Maeve se veste com um estilo punk envolta de uma jaqueta escura e surrada com franjas e outras vezes em blusas largas, representando o estilo revoltado e descolado da adolescente que sem dúvidas esconde algo. É importante ressaltar também o posicionamento das câmeras e efeitos práticos, muitas vezes mostrando a perspectiva dos personagens nos presenteando com uma cena incrível de masturbação no banheiro da escola, e outras vezes mostrando quadros centralizados, fazendo referencia ao cinema clássico.
No geral, a fórmula em que cada episódio somos surpreendidos com um problema e uma solução proposta pelo Otis, somado aos arcos que são desenvolvidos entre os episódios funcionam de forma excelente. Temos boas atuações dando destaque ao ator principal Asa Butterfield (que já vimos o potencial em ‘A invenção de Hugo Cabret’), ele carrega muito bem o tronco e os plots da história que para seu personagem é bem semelhante ao papel do ator Frankie Muniz como Malcom, da série ‘Malcom’, que também tem que lidar com as descobertas do corpo em meio a uma família com pouco pudor. Temos personagens que não acrescentam muitas coisas, mas que ajudam os protagonistas a crescerem e provavelmente vão ser mais desenvolvidos em uma futura temporada.
Todos os créditos a Netflix por produzir uma série desconstruída e despretensiosa que por causa de sua linguagem simples e juvenil vai adentrar o publico e espalhar informações necessárias. É compreensível que nem todos gostem da série, mas é preciso exaltar que para o que ela se propõe ela faz um ótimo trabalho.
A nota mais justa para essa produção seria: 4 de 5 coroas!
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