Democracia em Vertigem é o novo documentário original da Netflix Brasil, distribuído ao redor do mundo, que conta sobre o golpe político que tirou Dilma Rousseff da presidência, passando pela operação Lava Jato que prendeu Lula e concluindo com a eleição presidencial de Jair Bolsonaro. Para quem gostaria de entender os agentes que levaram à crise política-social que dividiu o país, assistir este documentário é essencial. Pois evidencia como a Democracia Brasileira tão precoce em sua existência mais uma vez segue ameaçada.
A sinopse nos informa:
“Um alerta em tempos de democracia em crise. Neste retrato de um dos períodos mais dramáticos da história do Brasil, o político e o pessoal estão entrelaçados. Através de relatos de seu complexo passado familiar e acesso sem precedentes a líderes do passado e do presente – incluindo os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, a cineasta Petra Costa (Elena) analisa a ascensão e queda desses governantes e a consequente polarização de uma nação”.
Petra, que é documentarias, por ser de família militante de esquerda e também neta do fundador da Andrade e Gutierrez, uma das empreiteiras envolvidas na Lava Jato, acaba tendo fácil acesso aos figurões da política brasileira, permitindo-a conseguir depoimentos íntimos e exclusivos de Lula, Dilma e até mesmo Jair Bolsonaro. E é com esse acervo pessoal riquíssimo que ela nos leva por sua narrativa emocionante e de forte impacto, que também teve contribuição de Ricardo Stuckert, que foi o fotógrafo oficial dos governos petistas, compartilhando imagens e vídeos inéditos da decadência do Ppartido dos Trabalhadores e da ascensão da extrema direita.
O documentário se dá com Petra Costa narrando momentos de sua vida que se fundem com a própria história política do Brasil, passando pela redemocratização, em 1984, até a prisão de Lula, em 2017. A cineasta liga sua trajetória pessoal com o plano de fundo de um país que tinha tudo para dar certo, e deu até certo ponto, mas que acabou sucumbindo ao velho jogo político que resultou numa imensa segregação ideológica que encontrou seu ápice nas últimas eleições.
Enquanto assistia Democracia Em Vertigem fiquei com uma imensa vontade de chorar, e li relato de vários espectadores que de fato choraram. Esse sentimento de tristeza não é apenas pelo PT, por Lula ou Dilma, mas por constatar que mesmo com tanta corrupção, vinda desde a Ditadura Militar, o Brasil estava mudando para a melhor. Mas aí a elite resolveu que já era hora de voltar ao poder e tirar a dignidade do povo mais uma vez. E como consequência muitas famílias voltaram para a extrema pobreza, o número de desempregados passou dos 14 milhões, os investimentos internacionais não chegaram, os cortes na educação se fizeram presentes e por aí vai as mazelas impostas ao brasileiro.
Petra não esconde ser de esquerda em sua obra e faz auto-crítica a cerca dos erros do PT, o que a direita tanto exige de esquerdistas, mas não tem coragem de fazer o mesmo. O teor político da obra é forte e não podia ser diferente, já que se aborda a Democracia. E por isso vemos relatos tanto de pessoas que se identificam com a esquerda e que foram contra a condenação de Lula e o golpe contra Dilma, assim como depoimentos, as vezes agressivos, de direitistas que apoiaram a “queda” do PT e de seus políticos mais poderosos.
A lucidez do povo em Democracia Em Vertigem é apenas uma prova de que não somos ignorantes. Mas podemos ser ludibriados pelos poderosos no poder, especialmente pela mídia tradicional, que dispõe de seus grandes veículos de comunicação comandados pela grande elite financeira, que divulga o que convém conforme sua agenda liberal que prioriza o lucro individual em detrimento do bem estar popular e social.
“Hoje eu posso pagar um curso de inglês prum filho meu estudar. Na minha época, minha mãe não pôde nem dar escola para mim! Eu não sei ler nem escrever. Mas eu pago escolas pros meus filhos”.
Essa é uma das falas que mais mexeram comigo no documentário, uma mãe negra que reconhece o poder revolucionário da educação, que foi possível graças aos investimentos de um governo de esquerda que deu maior poder de compra para as famílias pobres brasileiras. Um governo que com seus programas sociais mudou para a melhor a vida de mais de 20 milhões de brasileiros.
Contudo, as manifestações de 2013 foram a faísca que a extrema direita precisava para trazer a população para o seu lado e assim pautar o novo cenário político nacional. E com a crise política desencadeada pela Laja Jato e o golpe contra Dilma as coisas só pioraram para a população.
Subestimar o povo é um dos grandes erros da elite brasileira. O povo é sábio e entende o que está em jogo: vender nossas riquezas para os estrangeiros, enquanto a elite financeira segue vivendo suas mordomias e o povo passando fome e morrendo.
“Esse governo que vai entrar aí é o governo da elite, da Globo, né? Dos empresários latifundiários, dos banqueiros, dos americanos, que vai querer a Amazônia, vai querer a Petrobras… Quer dizer… A Europa rica… O brasileiro, é o seguinte… que tinha uma oportunidade mínima… O que acontece? A Dilma, o PT, deixava as migalhas pra nós. Agora nano vai ter mais migalha”.
O PT errou muito, mas ainda assim o povo humilde reconhece que com Lula e Dilma no poder as coisas melhoraram, com o PT fora nem o mínimo mais seria possível.
É muito importante e ainda mais impactante que Democracia Em Vertigem tenha sido lançado após os primeiros vazamentos da #VazaJato, pois isso garante uma relevância ainda maior para o documentário, provando que Lula é um preso político, tanto quanto Dilma caiu por uma conspiração política-midiática para defender interesses da elite financeira e de estrangeiros.
Assim é possível concluir que a operação Lava Jato nunca foi sobre combater a corrupção política no Brasil, mas um projeto político-partidário que tinha o único intuito de destruir um partido popular e suas figuras notórias, Lula e Dilma. Com esse objetivo atingido, foi possível colocar de novo na presidência uma figura que representasse os interesses da elite econômica do Brasil (Temer e depois Bolsonaro), deixando o povo mais uma vez largado à própria sorte. Com PT e Lula “fora da jogada” o fascismo assumiu o poder e agora vivemos a “Nova Era” do obscurantismo dos poderes, em que o judiciário finge trabalhar, enquanto o Legislativo nada de relevante vota, e o Executivo segue fazendo a todos de reféns.
Depois de seis horas conseguir terminar de assistir Democracia Em Vertigem, que tem duração de quase duas horas, e Issa demora rolou pois eu precisei parar muitas vezes para absorver, refletir e arrumar forças para continuar. A democracia brasileira está agonizando e não há esperança alguma que ela voltará a sua plenitude no futuro próximo. Por isso nos resta reerguer a esquerda, reconectando-a com o povo brasileiro e com pautas muito caras a nós, visando não apenas defender os interesses das minorias sociais, como mulheres, negros, LGBTs e indígenas, mas acima de tudo reaprendendo a conviver com as diferenças. Porque ficou evidente que esta polarização política em que estamos prejudica a todos, seja de direita e esquerda, enquanto a elite econômica segue no poder imbatível.
“Um escritor grego disse que a democracia só funciona quando os ricos se sentem ameaçados. Caso contrário, a oligarquia toma o poder. De pai pra filho, de filho pra neto,de neto pra bisneto e assim sucessivamente. Somos uma república de famílias. Umas controla as mídias, outras, os bancos. Elas possuem a areia, o cimento, a pedra e o ferro. E, de vez em quando, acontece delas se cansarem da democracia, do Estado de Direito. Coo lidar com a vertigem de ser lançado em um futuro que parece tão sombrio quanto o nosso passado mais obscuro? O que fazer quando a máscara da civilidade cai e o que se revela é uma imagem ainda mais assustadora de nós mesmos?”
Democracia em Vertigem merece: 5 estrelas, nossa pontuação máxima!
Democracia Em Vertigem já está disponível na Netflix. Para ler outras resenhas clique aqui.