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Para falar da Matheusa

A vontade é de abaixar a cabeça em frente à tela do computador e chorar. Mas abaixar a cabeça é justamente a última opção quando eu vejo a foto da Matheusa desfilando num tecido preto transparente, toda segura de si, exibindo seu corpo para uma plateia grande.

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A vontade é de abaixar a cabeça em frente à tela do computador e chorar. Mas abaixar a cabeça é justamente a última opção quando eu vejo a foto da Matheusa desfilando num tecido preto transparente, toda segura de si, exibindo seu corpo para uma plateia grande. Tem tanta vida nessa foto que chega a me dar energia e coragem pra parar de fugir de assuntos doloridos e, pelo menos, tentar escrever alguma coisa que possa fazer sentido.

Falar de morte é visceral. Ler os dados numéricos sobre assassinatos de pessoas LGBT no Brasil é quase rotineiro, ainda que assustador, porque os números estão em todo lugar, só somam e só fazem crescer a sensação de impotência. Mas eu sempre me recuso a falar de número, eu falo é de pronome. Theusinha aparentemente não ligava para os pronomes de gênero. Eu digo “aparentemente” porque não a conheci, mas sinto que de alguma forma a conheci sim. Ela tinha a faixa etária dos meus amigos que também desconstroem os pronomes, ela falava do que eles falam, ela lutava pelos direitos dela, deles e nossos. Direitos de cidadão livre. Olhando para o seu rosto eu vejo o rosto dos meus, e dói bastante imaginar o tanto de coisas prováveis e possíveis de nos acontecer. Coisas que aconteceram a ela e que quando acontecem a um de nós, acontecem a todos nós. E eu não estou querendo me incluir numa luta que não é minha ou assumir algum lugar de fala em que não me encaixo, afinal eu e Theusinha temos corpos diferentes, mas eu encaro a luta dela como a de qualquer pessoa que acredita na liberdade de expressão artística, de gênero, de pensamentos, de espaço. E quando alguma dessas pessoas é arrancada da gente, a dor é coletiva. Se morasse em São Paulo, com certeza ela frequentaria os mesmos lugares que eu e nós falaríamos sobre todas as crenças sociais que temos em comum. Talvez ela dormisse aqui em casa numa sexta-feira e me ensinasse coisas que eu sinto falta de aprender. Talvez até a gente tenha sim se cruzado em algum museu ou festa alternativa num fim de semana que ela possa ter passado pela cidade. Olhando seu instagram é quase como se eu já a acompanhasse há muito tempo.

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Ao ler sobre Matheusa, o que mais me impressionou foi saber que tão jovem ela já estava envolvida em tantos projetos de arte, moda e engajamento social enquanto estudava, sonhava e tentava sobreviver com 500 reais mensais. Parece que sua energia vital era inacabável. E acredito que seja mesmo, afinal, a vida dela pulsa em várias vidas que ela tocou enquanto esteve aqui, e pulsa em mim agora também. A vontade é de passar mais algumas horas olhando para suas fotos e criando memórias de diálogos e momentos que não vivemos juntas. É pegar o telefone e ligar para os meus amigos. É explicar pra cada ouvido disposto a me escutar que existir é resistir e que a união é a nossa maior arma contra todas as armas que nos apontam. É fazer o que a Theusinha podia estar fazendo agora.

O que prevalece é a sensação de que tudo o que Matheusa ainda poderia ter realizado vai nos fazer muita falta, mas tudo o que ela conseguiu realizar nos preenche como água regando sementes. Prova disso é a linda apresentação feita pela drag queen Aqua no último fim de semana. Antes da performance da Aja numa festa em São Paulo, Aqua fez uma homenagem emocionante à Matheusa e outras vítimas de violência LGBT, exibindo suas fotos para o público ao som de Indestrutível da Pabllo Vittar.

“Como Drag Queen, me sinto na responsabilidade de usar minha voz para chamar a atenção para situações que sofremos todos os dias, os riscos que passamos por apenas ser quem somos. Escolhi essa música por ter uma letra que tem exatamente o que queria transmitir para quem assistiu. Mas fazer as pesquisas de todas as mortes que mostro nas folhas não é algo “confortável”, ler como essas pessoas morreram, ver vídeos, fotos, como aconteceu, enfim, é algo pesado, mas é muito necessário falar disso e temos que falar. Ser drag pra mim não é só dar close na noite ou viver uma fantasia, é, acima de tudo, usar dessa plataforma para continuar na luta contra o preconceito e dar a cara na sociedade.” – Aqua.

Matheusa vive.

Texto de Giulianna Palumbo.

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